domingo, 15 de junho de 2008

CCBNB-Fortaleza abre a exposição “Marcus Francisco, a Aventura do Traço”, com curadoria de Dodora Guimarães



FORTALEZA, 15.06.2008 – O Centro Cultural Banco do Nordeste-Fortaleza (rua Floriano Peixoto, 941 – Centro – fone: (85) 3464.3108) abre nesta terça-feira, 17, às 19 horas, a exposição “Marcus Francisco, a Aventura do Traço”, com curadoria de Dodora Guimarães. Gratuita ao público, a exposição fica em cartaz até o próximo dia 22 de julho (terça-feira a sábado, de 10h às 20h; e domingo, de 10h às 18h).

A exposição apresenta trabalhos preservados pela família de Marcus Francisco (Fortaleza, CE, 1950-1980), com ênfase no desenho em técnicas e datas diversas, destacando-se o risco e o ritmo claro e potente do artista. Traz, assim, uma seleção de obras que evidenciam a força telúrica e mística que distinguiu este artista na geração da virada dos anos 1960/1970.

Segundo a curadora Dodora Guimarães, MARCUS FRANCISCO Cavalcante Alcântara é “um artista seminal da arte cearense, sendo um dos expoentes da geração dos anos 1960/1970”. Desenhista e pintor, com incursões no campo da história em quadrinhos, da poesia e da música, Marcus Francisco viveu e trabalhou em Fortaleza, no Rio de Janeiro e em Nova Iorque. “Sua obra mostra a grande teia que foi a sua vida, com a precisão da trama que evidenciava existir por trás de tudo o que fazia”, salienta Dodora.

As obras expostas no CCBNB-Fortaleza ilustram a breve e marcante existência do autor. Verdadeiras páginas de um diário escrito no calor da hora, sem hesitação ou pausa, desenhado com a vibração e o requinte de um observador veloz.



Olhar balizador (texto da curadora Dodora Guimarães)

Filho de um homem de letras, o jornalista Mário Alcântara, e de uma bordadeira, dona Maria Cavalcante Alcântara, Marcus Francisco (Fortaleza-CE, 1950 -1980) cresceu dividido entre as ladainhas católicas e a realidade do cotidiano. Ambas o encantavam e o assombravam. Os mistérios da fé que tanto o intrigavam logo encontraram um êmulo à altura: as reinações da criação artística, que cedo ocuparam largo espaço na mente do menino que entretinha o tempo a desenhar nos quatro cantos da casa.

Sabendo que o seu mundo era o da imaginação, o aprendiz do risco desenhava esferas para nelas girar e voar no tempo. O seu desejo era dar ao corpo a velocidade do seu pensamento. Observador atento aprendeu com a mãe, que enlaçava linhas, o gesto do risco no ar. De rabiscador de paredes passou a desenhista e pintor, superando-se na disciplina que escolhera para si. Marcus Francisco foi sempre esse ser determinado.

Com o pai treinava o verbo, mirava a escrita das palavras, as formas das letras, o som das palavras. Assim nasceu o compositor de “Nada Sou” e “Luzia do Algodão”, canções feitas em parceria com Raimundo Fagner, vencedoras do IV Festival de Música Popular do Ceará (promoção do Grupo de Teatro Amador-Gruta do Diretório Central dos Estudantes-DCE, da Universidade Federal do Ceará-UFC) e do I Festival de Música Popular Aqui no Canto (promovido pela Rádio Assunção), ambos em 1968. Esses acontecimentos lhe abriram as portas para a primeira viagem internacional (1969) – excursão cultural rumo a Buenos Aires que durou 45 dias, e para a decisão irrevogável de transferir-se para o Rio de Janeiro (1970) em busca de horizontes mais amplos.

A essa época integrava, em Fortaleza, o grupo que mobilizava a cena das artes plásticas no recém-inaugurado Centro de Artes Visuais Raimundo Cela, que se tornaria mais conhecido como Casa de Cultura Raimundo Cela. Marcus Francisco alimentava a expectativa de desenvolver-se como artista e tinha consciência de que para isso emigrar era preciso.

Projetos e planos ousados somados ao “amor possessivo ao corpo” acompanhariam o artista nos diversos endereços que postou em cartas para a família. Do desembarque no Rio, em 1970, ao embarque para Nova York em 1976, Marcus Francisco colecionou esperanças de se tornar o artista que havia planejado.

Nas missivas à família, cita sempre uma promessa de exposição ou venda, mas solicita continuamente verbas para o sustento. A fé e a importância que atribui ao seu trabalho, porém, continuam inabaláveis. Essa segurança lhe garante um papel seminal na história da arte cearense.

Com poucos e recorrentes signos teceu a trama precisa, a pulsação em vida, como assinala em desenho datado de 1975. Sua aventura de pontos e linhas leva-o a ocupar um lugar na seara do desenho brasileiro, destacada pela excelência de seus artistas, inclusive na família que preza pelo fantástico ou onírico, casos de Darcílio Lima, também cearense e que viveu no Rio nos turbulentos anos 1960/1970, de Roberto Magalhães e Tunga, para citar alguns exemplos da mesma geração.

Lamentavelmente, esse desenhista de volumes leves, arquiteturas imaginárias e figuras de uma mitologia própria morreu tão prematuramente como Leonilson. Também como Ismael Nery, com quem guarda certo parentesco, seja na visão metafísica e no “sensualismo profundo e essencialista”, ao qual se refere Mário Pedrosa, quando escreveu sobre o artista paraense: “As profundas preocupações religiosas de um ser absolutamente pagão como ele o faziam viver num permanente debate entre Deus e a criatura, entre o pecado e o viver”.

A permanência carioca nunca foi um fim para o artista que sonhava com Paris, Londres e Nova York. Os contatos com o Ceará eram breves, embora nutrisse grande amor à família e aos amigos artistas. Expôs pouco, inclusive na capital cearense. Em cartas aos pais, referia-se a vendas freqüentes de desenhos para colecionadores europeus, através de amigos comissários de bordo.

Apesar do agendamento de uma exposição na França, aludida algumas vezes e que não aconteceu, Marcus Francisco transferiu-se para Nova York em 1976, onde se sentiu melhor acolhido e com mais espaço no meio artístico. Expôs individualmente desenhos e pinturas numa galeria comercial e trabalhou como designer gráfico. Desse período, a família guarda o programa do espetáculo “Samovilli and Samodivi” (desenhado por ele), no qual atua como artista assistente da diretora de Konstantina Petkova.

Retorna a Fortaleza em outubro de 1978. Sua adaptação foi impossível. Pintar e desenhar não foram suficientes.

A exposição Marcus Francisco, a Aventura do Traço apresenta trabalhos conservados pela família, com ênfase no desenho, apresentados em técnicas e datas diversas. Destacando o risco e o ritmo claro e potente do artista, numa seleta de obras que evidenciam a força telúrica e mística que o distinguiu na geração da virada dos anos 1960/1970, numa Fortaleza que se modernizava e abria os salões para os seus jovens valores, chancelados pelos novos tempos e pelo pulso da pintora Heloisa Juaçaba.

As obras expostas ilustram a breve e marcante existência do autor. Verdadeiras páginas de um diário escrito no calor da hora sem hesitação, ou pausa, desenhado com a vibração e o requinte de um observador veloz.

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