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Ribeirão Feijão tem parte de suas nascentes em São Carlos. Foto: Escola da Floresta (reprodução) |
Estudos apontam que uso inadequado dos mananciais pode comprometer o fornecimento de água no futuro
Desde
1993, pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), da
Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto Internacional de Ecologia
(IIE) desenvolvem estudos relacionados aos mananciais de água que
abastecem São Carlos e municípios vizinhos. Por exemplo, há pesquisas
cujo o objetivo é a preservação dos recursos hídricos do principal
manancial de São Carlos e da região que são as bacias do Ribeirão Feijão
e Itaqueri (Broa). Uma parcela dessas pesquisas são conduzidas por
Francisco Antonio Dupas, docente do Programa de Pós-Graduação em
Ciências Ambientais (PPGCam) da UFSCar e da Universidade Federal de
Itajubá (Unifei), em Minas Gerais.
De acordo com o pesquisador, historicamente, o homem sempre se fixou
perto de fontes de água por questões estratégicas de uso desse recurso
natural. No entanto, esses recursos são finitos e recebem até hoje todo o
tipo de esgotamento sanitário urbano e da agricultura, além de sofrer
com o desmatamento das regiões ribeirinhas e matas ciliares. "Tudo o que
lançamos no solo e na superfície dos rios também contamina as águas
subterrâneas de aquíferos de onde o homem já extrai muita água. Só que
essa água, além de já estar parcialmente contaminada, está em processo
de drástica redução de nível, ou seja, está sendo usada em excesso",
afirma o docente. Para Dupas, a reserva subterrânea de água tem que ser
poupada para situações emergenciais e o uso dos maiores volumes deveria
ser da água superficial que é mais abundante e de mais fácil reposição.
A bacia hidrográfica do Ribeirão Feijão tem parte de suas nascentes em
São Carlos, possui 230 km² e integra a bacia do rio Jacaré-Guaçu.
Regionalmente, o Ribeirão também contempla os municípios de Analândia,
Brotas e Itirapina, locais onde seu uso não é apenas como manancial, mas
também para o lazer. A produção de água para São Carlos conta com a
participação desses municípios e, neste contexto, tem destaque o Rio
Itaqueri (Broa) que é um potencial fornecedor. A cidade também utiliza
água do Rio Monjolinho, mas Dupas faz um alerta importante: "São Carlos
praticamente já urbanizou o Monjolinho e logo ele não estará mais apto
para o abastecimento devido à qualidade da água que será muito ruim".
O pesquisador da UFSCar afirma que, estrategicamente, o Ribeirão Feijão
tem muita importância local pela disponibilidade de água de superfície e
como zona de recarga (região por onde um aquífero é recarregado ou
recebe a infiltração da água de superfície). "No entanto, apesar de leis
claras que favorecem a manutenção da qualidade e da quantidade de água
do Ribeirão Feijão, persiste um embate entre interesses econômicos que
ampliam a sua degradação, resultando na tentativa de reduzir parâmetros
ambientais que garantem a disponibilidade de água atual e para o
futuro", destaca o docente. Dupas explica que, assim como os rios
urbanos de São Carlos, o Feijão está caminhando para a degradação e, que
sem ele, o fornecimento de água ficará comprometido. "Sem o Feijão, as
opções de água na região estarão restritas ao aquífero subterrâneo que
tem um tempo de vida limitado devido ao rebaixamento, como pode ser
constatado em poços mais antigos da cidade. A situação a curto prazo
ainda é confortável, mas a longo prazo não é. Devemos pensar a longo
prazo preservando o que temos de bom e barato, deixando a reserva de
água subterrânea para o futuro", defende o pesquisador.
Ele acredita que o Poder Executivo municipal deve se valer de
informações e dados científicos para tomar decisões que permitam o
crescimento da cidade, mas garantam a qualidade e quantidade de água
para o fornecimento do município. "Implantar loteamentos e indústrias em
áreas de recarga do aquífero e de água superficial, por exemplo,
contamina a própria água necessária para o consumo dessa população. A
contaminação superficial e subterrânea eleva em até 300 vezes os gastos
para o tratamento da água, sem a garantia da qualidade em relação à
presença de hormônios, metais pesados e agroquímicos", garante o
docente, acrescentando que é preciso informar a população sobre os reais
problemas de conservação e uso da água do Ribeirão Feijão, a fim de
conscientizá-la para ações de preservação desse importante manancial de
São Carlos e região.
As conquistas de maior destaque durante esses anos de pesquisa em prol
da preservação dos recursos hídricos locais foram a inclusão do Ribeirão
Feijão e do Monjolinho como mananciais urbanos no Plano Diretor de São
Carlos em 2005, a legislação das Áreas de Proteção e Recuperação dos
Mananciais (Aprem) do Município; e na revisão do Plano Diretor de São
Carlos, realizada em 2016, os rios foram mantidos como áreas de
proteção. Os estudos que amparam essas decisões foram realizados com
recursos financeiros da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (Fapesp), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (Capes).
De acordo com o pesquisador, a proposta agora é implantar o Pagamento
por Serviços Ambientais (PSA) e o Pagamento por Serviços Ecossistêmicos
(PSE) - que consistem na transferência de recursos (monetários ou
outros) a quem ajuda a manter a preservação ambiental. "Fizemos estudos
em todas as camadas sociais e bairros da cidade e verificamos que a
população urbana está disposta a contribuir com a recuperação do
manancial. Estamos propondo que essa contribuição seja feita por meio da
conta de água e esse dinheiro será repassado, via Saae [Serviço
Autônomo de Água e Esgoto São Carlos], aos proprietários das terras
diretamente ou ao Comitê de Bacias. Assim, o proprietário de terras
passa a receber para proteger e recuperar a bacia hidrográfica,
promovendo atividades de baixo impacto ambiental", detalha o professor.
Dupas afirma que já está em fase final a elaboração de um projeto de lei
para viabilizar a implantação do PSA. Em relação à pesquisa, "os nossos
próximos passos são definir os valores financeiros para cada
proprietário que venha a participar do projeto de recuperação via PSA, e
a construção de um projeto piloto, junto com o Comitê de Bacias, para a
recuperação de áreas degradadas em propriedades particulares", aponta
Francisco Dupas. "Nosso grande desafio é enfrentar um problema que se
estende por todo o País, que é o descaso com o planejamento das cidades,
privilegiando o interesse econômico por meio da especulação
imobiliária. Apesar dos problemas enfrentados, acredito e sou otimista
que a comunidade será esclarecida da importância do Ribeirão Feijão e
que os poderes executivos de São Carlos e região farão o melhor para a
população, pensando, principalmente, no futuro das nossas próximas
gerações", conclui o docente.