terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Mostra CCBB - Luc Mollet

LUC MOULLET, CINEMA DE CONTRABANDO

 

EM FEVEREIRO, AMPLA RETROSPECTIVA DEDICADA AO FRANCÊS LUC MOULLET

 

 

*** evento acontece em SP, RJ e Brasília, com presença do homenageado

 

 

 

Um dos expoentes do movimento da Nouvelle Vague e conhecido por seu cinema bem humorado, de temática anti-autoritária e de estética inovadora influenciada pelos filmes B norte-americanos, o diretor e crítico francês Luc Moullet  ganha inédita retrospectiva de sua obra. Intitulada "Luc Moullet, Cinema de Contrabando", a mostra acontece nas unidades do Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro (1º a 20 de fevereiro), de São Paulo (2 a 20/02),  e de Brasília (15/02 a 6/03) e conta com a presença do homenageado nas três capitais.

 

O evento já tem confirmada a exibição de 36 das quatro dezenas de títulos dirigidos por Moullet, entre longas, telefilmes e curtas-metragens.

 

Nascido em Paris em 1937, o cineasta tem entre seus admiradores nomes como Jean-Luc Godard, Jean-Marie Straub, Claire Dennis, Raoul Ruiz e o brasileiro Carlos Reichenbach. Sua filmografia, premiada pelos mais importantes festivais internacionais, como Cannes e Berlim, mereceu, entretanto, muito pouca circulação no Brasil.

 

Moullet acumula também destacada atividade como crítico, iniciada aos 18 anos de idade na prestigiosa revista Cahiers du Cinéma. Seus textos são reconhecidos como fundamentais para a Nouvelle Vague e os novos cinemas que eclodiram nos anos 1960 em países como a ex-Tchecoslováquia, Hungria, Brasil e Polônia, entre outros. Seu trabalho crítico aborda diretores como Fritz Lang, Cecil B. DeMille, Jean-Luc Godard, Gerd Oswald, Miklós Jancsó e Catherine Breillat.

 

Autodefinido como um cineasta cômico, Moullet é considerado como herdeiro de Jacques Tati, pela percepção visual e sonora, e de Alfred Jarry, por sua capacidade de oscilar no absurdo. O cineasta também é filiado a uma família de cineastas marginais que escolheram exprimir-se na primeira pessoa do singular (assim como Philippe Garrel e Jonas Mekas).

 

Seu longa de 1966 "Brigitte et Brigitte" conta com participações dos cineastas Samuel Fuller, Claude Chabrol, Eric Rohmer e André Téchiné. Seus longas seguintes incluem um autêntico filme B ("Les Contrebandières", 1967), um western psicológico com o mítico ator Jean-Pierre Léaud ("Une Aventure de Billy le Kid", 1971, nunca lançado na França, mas de boa circulação no exterior) e uma paródia de dramas românticos ("Anatomie d'un Rapport", 1975, co-dirigido com a sua esposa Antonieta Pizzorno, ficção documental sobre a sexualidade de um casal logo após 1968, estrelado pelo próprio Moullet, Christine Hebert e Antonietta Pizzorno). A maior parte dos filmes que realizou a seguir organizam-se em torno dos princípios de "Anatomie d'un Rapport": Luc Moullet no papel principal, voz off, humor, imagens do quotidiano, oscilação entre a ficção e o documentário, autobiografia e comédia.

 

A partir dos anos 1980, Moullet inicia uma produção de curtas-metragens de humor, realizados entre as filmagens de seus longas. Em 2000, o curta "Le Systeme Zsygmondy" foi premiado no Festival de Cannes, onde, em 1979, "Genèse d'un Repas" havia sido laureado.

 

Em 1987, no mesmo festival, o longa "La Comédie du Travail" venceu o Prêmio Jean Vigo - uma premiação concedida a jovens diretores (Moullet tinha 50 anos à época). "Les Sièges de l'Alcazar", longa de 1989, é considerado pela crítica como filme a respeito da cinefilia de todos os tempos.

 

Vivendo atualmente momento de celebração de sua carreira, Moullet viu recebida com entusiasmo uma caixa de DVDs reunindo seus primeiros oito longas-metragens lançada em 2007 na França e Estados Unidos (veja texto ao final).

 

Em 2009 Moullet novamente causou sensação no Festival de Cannes ao apresentar "La Terre de la Folie", um tratado sobre as relações entre a loucura e a região francesa dos Alpes do Sul, terra de origem do cineasta (segundo ele, local que teria mais loucos assassinos ou suicidas do que outros territórios similares). Também em 2009, o cineasta ganhou importante retrospectiva de sua obra organizada pelo Centre George Pompidou, em Paris. Para o presidente do Centre Pompidou, Alain Seban, o cineasta é dono de uma obra "inventiva e divertida, que inspirou e estimulou artistas de todas tendências, de Jean-Luc Godard a Claire Dennis".

 

Para Jean-Marie Straub, "depois de Moullet,  estamos há muito tempo à espera de um cineasta tão importante como ele e que mostre tanta liberdade. "Les Contrebandières" já era um filme extraordinário, e "Une Aventure de Billy Le Kid", é uma obra-prima, o melhor filme com Jean-Pierre Léaud e um dos raros filmes surrealistas franceses. Luc Moullet é sem dúvida o único herdeiro de Buñuel e Tati."

 

Além da exibição da filmografia de Moullet, o evento promove a sua vinda para apresentar sessões e conversar com o público nas três capitais em que a programação é exibida. Também está sendo organizada uma publicação inédita no Brasil sobre a obra de Luc Moullet. A curadoria e organização geral do evento é assinada por Francisco Cesar Filho e Rafael Sampaio. A produção do evento é da Klaxon Cultura Audiovisual, em colaboração com Associação do Audiovisual, com patrocínio do Banco do Brasil.

 

filmografia de Luc Mollet

 

2010 : Toujours moins (12min, cor)

2010: Chef d'ouvre (15min, cor)

2009 - La Terre de la Folie (85min, cor)
2007 - Le Prestige de la Mort (75min, cor)

2006: Jean-Luc selon Luc (7min, cor)
2006 : Le Litre de lait (13min, cor)
2006 : Quelques gouttes en plus (6min, cor)

2001 : Sans titre (4min, cor)
2000 - Le Système Zsygmondy (18min, cor)

2002 - Les Naufragés de la D17 (81min, cor)
1998 - … Au Champ d'Honneur (15min, cor)

1997 - Nous sommes tous des Cafards (10min, cor)
1996 - Le Fantôme de Longstaff

1996 - L'Odyssée du 16/9 (11min, cor)
1995 - Le Ventre de l'Amérique (25min, cor)
1994 - Imphy, Capitale de la France (24min, cor)
1994 - Toujours Plus (24min, cor)
1994 – Foix (13min, cor)
1992 – Parpaillon (84min, cor)

1991 - La Cabale des Oursins (17min, cor)
1990 - Aeroporrr d'Orrrrly (6min, cor)
1990 - La Sept Selon Jean et Luc (13min, cor)
1989 - Les Sièges de l'Alcazar (52min, cor)

1988 - Essai d'Ouverture (15min, cor)
1987 - La Comédie du Travail (88 min, cor)
1987 - La Valse des Médias (27min, cor)
1986 - L'Empire de Medor (13min, cor)
1984 – Barres (14min, cor)
1983 - Les Minutes d'un Faiseur de Film (13min, PB)
1983 - Les Havres (12min, cor)
1982 – Introduction (8min, cor)
1981 - Ma Première Brasse (43min, PB)
1978 - Genèse d'un Repas (117min, PB)
1975 - Anatomie d'un Rapport
1971 - Une Aventure de Billy le Kid (77min, cor)
1967 - Les Contrebandières (80min, PB)
1966 - Brigitte et Brigitte (75min, PB)
1962 - Capito? (8min, cor)
1961 - Terres Noires (19min, cor)
1960 - Un Steack trop Cuit (19min, PB)
 

Sobre Luc Moullet

"Caixa de DVDs lançada na França

permite redescobrir a obra do rebelde diretor Luc Moullet"

 

por Pedro Maciel Guimarães

 

A Nouvelle Vague não foi igualitária com seus criadores. Se de um lado temos Godard, Truffaut, Chabrol e Rivette, que se tornaram cineastas aclamados mundialmente, do outro lado, temos Luc Moullet, cineasta político e prolífico que ficou à sombra de seus companheiros, apesar de ter uma das mais ricas filmografias do cinema de autor francês.

Uma caixa com oito dos primeiros filmes de Moulet foi lançada recentemente na França e permite agora rever a obra deste diretor rebelde, que começou a dirigir praticamente no mesmo momento em que eclodia a Nouvelle Vague -seu segundo curta, "Terres Noires" (1961), é um ensaio cinematográfico sobre pobres no interior da França e tem a consistência de um "Las Hurdes", de Buñuel.

A estrela da coletânea de Luc Moullet é seu primeiro longa, "Brigitte e Brigitte", uma espécie de versão feminina de "Os Primos" (Claude Chabrol, 1959). O longa de 1966 atualiza alguns dos preceitos inovadores colocados em prática por Godard desde "Acossado": uma cinefilia incontida e engajada, a distinção radical entre a imagem e o som, a cacofonia de sons e diálogos. "Brigitte e Brigitte" coloca na frente da ação duas amigas do interior, recém-chegadas na Paris dos anos 60. Enquanto Godard, Truffaut e Chabrol escolheram freqüentemente contar sobre conquistas amorosas do ponto de vista de um personagem masculino, Moullet o faz do ponto de vista das garotas, que usufruem dos mesmos direitos libertários que comandavam os personagens masculinos do movimento.

A supremacia feminina continua no segundo longa do diretor, "As Contrabandistas" (1967), uma comédia dramática que bebe na fonte de "Jules et Jim" (só que com duas mulheres para um homem) e vai além da narrativa de Truffaut, ao inserir elementos revolucionários e mensagem política num "road movie a pé", bastante coerente com a idéia de filme baixo orçamento defendida por Moullet.

"As Contrabandistas" usa do humor para militar em favor da paz ("o contrabando é a melhor maneira de lutar contra uma guerra; se não há impostos, não há dinheiro para comprar armas", dispara uma das contrabandistas). Filme radicalmente contra a sociedade de consumo, nele as personagens, marginais dentro do capitalismo, são também dissidentes no seu próprio universo -as duas garotas fogem não só dos agentes da alfândega como também do "sindicato das contrabandistas". "Brigitte e Brigitte'' e "As Contrabandistas'' serviram de base para o cinema de Moullet nas décadas seguintes, que reuniu o militantismo polílitico a uma narrativa de cunho bastante pessoal, em que o trabalho do ator é a peça-chave.

Luc Moullet, ele mesmo, e ator e teórico da interpretação para o cinema 1. Comparado várias vezes pela crítica francesa ao humorista Jacques Tati, Moullet só viria a criar seu "personagem único", nos mesmos moldes de Tati, Buster Keaton ou Charles Chaplin, na metade dos anos 70, com outros dois filmes: "Anatomia de uma Relação" (1976) e "A Gênese de uma Refeição" (1978), que são obras gêmeas e complementares da nova fase da filmografia do diretor.

"Anatomia de uma Relação" parte de uma perspectiva pessoal para falar de um mal-estar coletivo: a dificuldade das relações no capitalismo. Desse filme, Serge Daney vangloriou as virtudes inovadoras da utilização do som, entre a modernidade e o classicismo. "É um filme do começo do cinema falado, sobretudo na interpretação de Moullet... que articula o texto com uma voz que parece já envelhecida... como se houvesse sempre uma lição a ser tirada daí. O espectador fica então diante de algo bastante cotidiano, mas que é ao mesmo tempo conduzido de uma maneira interpeladora através da voz", escreveu Daney 2.

Já "A Gênese de uma Refeição" vai mais fundo nos questionamentos sociais, políticos e metalingüísticos. Moullet parte em expedição à África e à América Latina para investigar como são produzidos os alimentos que chegaram à sua mesa no almoço daquele dia. Com esse ponto de partida, que lembra alguns filmes do movimento Kino-Pravda, de Dziga Vertov, Moullet mostra como os trabalhadores africanos e latino-americanos recebem menos e têm condições de trabalho mais duras do que os trabalhadores europeus; como a inflação e os atravessadores aumentam consideravelmente os preços dos produtos industrializados; e como os operários e agricultores são o elo mais fraco do sistema de produção.

Não são conclusões que possam surpreender um militante da esquerda, mas Moullet conduz seu "documentário" de maneira bastante pessoal, usando o próprio corpo (e o da sua atriz principal) como meios de expressão. Sua presença física marca a construção da narrativa, individualizando a obra e a impedindo de ser rotulada em qualquer gênero cinematográfico. Segundo o crítico Fabrice Revault d´Allones, o diretor adota um olhar clínico sobre o real 3, até o ponto de discutir como o cinema (e mais especificamente o seu filme) se insere perfeitamente na lógica comercial. Para o crítico Serge Le Peron, trata-se de um verdadeiro filme de agitação 4.

Em outro "road movie a pé", "Uma Aventura de Billy the Kid" (1971), Moullet não só parodia o gênero mais tradicional do cinema americano, o western, como também o leva para dentro da forma européia de fazer cinema. O filme se insere ainda mais no universo nouvelle-vaguiano por ter sido estrelado por Jean-Pierre Léaud, intérprete-símbolo de Truffaut.

Com esse filme, Moullet pôde pôr em prática um paradoxo que parece inerente ao seu cinema (e também ao dos seus colegas da Nouvelle Vague): como um diretor de cinema europeu, com um baixo orçamento, sendo um militante político, pode fazer um filme de gênero, como aqueles que floresceram no cinema americano? Ele também indaga sobre a razão de o western fascinar até mesmo diretores que estão geográfica e culturalmente bem distantes do universo simbólico que o gênero retrata.

A preocupação com o western reaparece em "A Girl is a Gun" (o filme tem título em inglês), em que Moullet cria um estudo formal sobre como o gênero teria se desenvolvido caso tivesse nascido nas planícies do Luberon, região central da França, e não nos desertos do Arizona. Obviamente, a hipótese é absurda e ignora de propósito a dimensão histórica e ideológica do western, com sua função de representar a grandeza da nação americana no cinema, bem como a supremacia dos brancos sobre os nativos.

Parafraseando Lubitsch, Luc Moullet costuma dizer que "para saber filmar atores, é necessário saber filmar montanhas". E são esses dois elementos o centro nervoso de várias de suas ficções. "Eu sou um verdadeiro autista, me sinto perfeitamente bem nas montanhas ou nos desertos. Durante 15 dias atravessei o Colorado sem ter uma conversa com quem quer que seja, e os lugarejos me interessam sobretudo quando estão em ruínas", revelou Moullet num texto à revista "Cinéma" 5.

Em "Uma Aventura de Billy the Kid", Moullet deixa a paisagem tomar conta da sua mise en scène, e a suspensão da narrativa, uma das características mais marcantes do cinema moderno, acaba virando regra no filme. A errância, a predominância de planos abertos, em que o homem parece em desvantagem perante a natureza, são também elementos de "As Contrabandistas".

A caixa de DVDs de Luc Moullet se completa com uma nostálgica declaração de amor às salas de cinema. Em "Les Sièges de l´Alcazar", figuras míticas das salas escuras (a vendedora de balas, a bilheteira, o projecionista) se misturam a dois personagens criados a partir de exemplos opostos da cinefilia dos anos 60: as revistas rivais "Cahiers du Cinéma" e "Positif". Enquanto assiste a filmes de Visconti, Feuillade, Antonioni e Cottafavi, o crítico dos "Cahiers" se apaixona pela garota que faz crítica para a "Positif"", e os dois vivem um amor impossível em meio a ideologias díspares e preferências imutáveis que cercam cada uma das revistas.

Os filmes lançados em DVD, de difícil acesso mesmo na França, são uma boa introdução à obra do diretor, que está terminando seu novo trabalho, "Le Prestige de la Mort". Há mais de dez anos, Moullet alterna o trabalho de diretor com o de professor em escolas de cinema, como a Femis, e se mostra sempre atento a cinematografias do Terceiro Mundo ou de países periféricos. Entusiasta do cinema brasileiro, chegou a afirmar que o gaúcho Jorge Furtado seria o cineasta mais instigante do continente americano. Para quem vem de uma formação cinéfila ancorada no cinema hollywoodiano como Moullet, o elogio ganha ares de uma piscadela ideológica.

1 - Moullet é autor de "La Politique des Acteurs", análise sobre a interpretação e o trabalho do ator tendo por base 4 atores norte-americanos Gary Cooper, John Wayne, Cary Grant, James Stewart.

2 - S. Daney in "Entrevista com Luc Moullet", "Cahiers du Cinéma", nº 283, dezembro 77, p. 47.

3 - F. Revault d´Allones, "Luc Moullet, Comique Moderne", in "Luc Moullet, le Contrabandier", Paris, Cinémathèque Française, 1993, p. 7.

4 - S. Le Peron, "La Narration Genetico-Agitatoire de Luc Moullet", "Cahiers du Cinema", nº 299, abril 1979.

5 - L. Moullet, "Mes Paysages", "Cinéma" 10, outono 2005, p. 14.

 

(publicado pela revista digital Trópico, 24/4/2007)


 

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